‘Briga’ pelo gás no Amazonas: MPF e empresa travam disputa judicial


18 de novembro de 2023

Campo do Azulão, nos municípios de Silves e Itapiranga, no Amazonas, é fonte de gás natural explorado pela Eneva (Foto: Divulgação)

MANAUS – O MPF (Ministério Público Federal) informou nesta sexta-feira (17) que nove aldeias estão na região do Complexo Azulão, onde a empresa Eneva explora o gás natural, entre Silves e Itapiranga, na Região Metropolitana de Manaus. A Eneva contesta a informação. Ambos mencionam a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) em suas justificativas.

De acordo com o MPF, são indígenas das etnias Mura, Munduruku e Gavião que não têm o seu processo demarcatório concluído.

O Ministério Público afirma que eles não foram ouvidos sobre o empreendimento, que é composto pela termelétrica, rede de dutos e poços produtores, que estão em fase de licenciamento ambiental, e defende que a empresa realize a consulta.

A Eneva alega que “informações da Funai atestam que não existem Terras Indígenas homologadas ou mesmo em estudo na área de influência do Complexo Azulão”.

Ainda segundo a empresa, a ANP (Agência Nacional do Petróleo), quando definiu os limites dos blocos exploratórios de óleo e gás, fez as consultas a potenciais áreas e terras indígenas consolidadas, e “só depois de confirmada a inexistência é que os blocos foram licitados pela agência”.

O MPF alega que o Ministério dos Povos Indígenas e a Funai já pediram a “suspensão do curso do processo de licenciamento ambiental das atividades de exploração de gás denominada Campo Azulão”. Entre os argumentos estão a declaração da Funai sobre a existência de povos indígenas na região e a omissão do Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) em enviar à Funai informações sobre o empreendimento.

O caso está sendo analisado na Justiça Federal do Amazonas desde maio deste ano, quando uma associação pediu a suspensão das licenças ambientais concedidas ao empreendimento. O MPF também tem um procedimento administrativo interno em que acompanha o avanço dos projetos de exploração de petróleo e gás em Silves e Itapiranga.

Nesta sexta-feira, em nota de esclarecimento, o MPF afirmou que a Eneva e o Ipaam, ao solicitarem e analisarem o licenciamento ambiental – EIA (Estudo de Impacto Ambiental) e Rima (Relatório de Impacto Ambiental) – para o empreendimento, não consideraram a existência de terras indígenas em processo de demarcação.Mencionando um relatório da Comissão Pastoral da Terra sobre existência de comunidades indígenas na região, o MPF afirmou que existem sete aldeias em Silves e duas em Itapiranga, compreendendo as etnias Mura, Munduruku e Gavião, que não tem o seu processo demarcatório concluído.

A Eneva afirma que a legislação em vigor “preconiza a necessidade de estudos de componente indígena de acordo com o tipo do projeto, o que não se aplica nesse caso” porque não há áreas indígenas nas proximidades do empreendimento.

“Para projetos como o Complexo do Azulão devem ser levadas em consideração terras indígenas situadas a 10 km de distância ou menos. Entretanto, as áreas indígenas mais próximas do empreendimento, conforme informações oficiais divulgadas no site da própria Funai, estão a mais de 30 km de distância”, informou a Eneva.

“A constatação fica comprovada pelo acompanhamento dos habitantes pelo Sistema de Saúde Indígena, com os atendimentos do Distrito Sanitário Especial Indígena de Manaus (DSEI/Manaus)”, informou o MPF.Indígenas Mura se reuniram para elaborar protocolo de consulta sobre exploração do gás natural (Foto: Aspac/Divulgação)
Consulta
No mês passado, indígenas Mura iniciaram a elaboração de um protocolo próprio de consulta, que vai estabelecer as condições para a concretização de projetos que impactem as comunidades indígenas da região.

Os indígenas querem estabelecer como devem ser consultados sobre os empreendimentos da empresa Eneva S/A que causem impacto na vida deles.Em maio deste ano, a pedido de indígenas, a Justiça Federal suspendeu as licenças concedidas pelo Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) à Eneva.

A empresa conseguiu reverter a situação, alegando que a ordem judicial poderia causar o desabastecimento de usinas termelétricas de Boa Vista (RR), que são abastecidas com o gás do Campo do Azulão, em Silves. O caso ainda está sendo analisado pela Justiça.

A Aspac (Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural), autora da ação civil pública, alegou que cabe ao Ibama o licenciamento, pois o empreendimento impacta comunidades indígenas e outros estados. Caso esse entendimento seja aceito, os indígenas terão que ser ouvidos.

Para o Ministério Público, a emissão de qualquer licença pelo Ibama deve ser condicionada à consulta livre, prévia, informada e de boa fé aos indígenas e comunidades tradicionais potencialmente afetados, conforme prevê a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), bem como pela elaboração do Estudo de Componente Indígena (ECI), na forma exigida pela Funai e pelo MPI.

O MPF mantém na Justiça, em grau de recurso, parecer que pede a manutenção da suspensão das licenças ambientais emitidas pelo Ipaam, com a consequente determinação para que sejam realizados o ECI e a consulta prévia e a remessa do licenciamento para análise do Ibama.

O MPF lembra que há vedação constitucional atualmente a qualquer extração mineral, de petróleo ou de gás dentro de território indígena. “Somente é cabível efetivar a consulta e o licenciamento em casos que potencialmente afetem territórios indígenas, mas estejam fora de sua área direta de usufruto tradicional”, diz o MPF.

Diariamente, carretas transportam gás natural para Roraima (Foto: Reprodução)
Carretas com gás natural do Campo Azulão abastecem usina de energia em Boa Vista-RR (Foto: Divulgação)
Estudos antropológicos sendo realizados pelo MPF revelam preocupação com a sustentabilidade dos recursos naturais ainda disponíveis e, consequentemente, com a viabilidade da permanência de algumas famílias indígenas e tradicionais em suas comunidades de origem.

“De modo geral, o Projeto de Produção e Escoamento de Hidrocarbonetos do Complexo Azulão e adjacências, na Bacia do rio Amazonas, tem acirrado o clima de tensão e insegurança na região, marcado por episódios de hostilidade, ameaças e confronto. Neste sentido, a intenção do MPF é garantir, nos debates sobre o empreendimento, a participação efetiva dos povos indígenas e comunidades tradicionais, o respeito a seus direitos e evitar o acirramento de conflitos na região”, informou o MPF.

 

 

Leia a nota da Eneva na íntegra

Posicionamento

Informações da Funai atestam que não existem Terras Indígenas homologadas ou mesmo em estudo na área de influência do Complexo Azulão, composto pela termelétrica, rede de dutos e poços produtores, que estão em fase de licenciamento ambiental, assim como os empreendimentos já licenciados e em operação e que atendem parte substancial da demanda energética de Roraima.

É importante ressaltar que a legislação em vigor preconiza a necessidade de estudos de componente indígena de acordo com o tipo do projeto, o que não se aplica nesse caso. Isso porque para projetos como o Complexo do Azulão devem ser levadas em consideração terras indígenas situadas a 10 km de distância ou menos. Entretanto, as áreas indígenas mais próximas do empreendimento, conforme informações oficiais divulgadas no site da própria Funai, estão a mais de 30 km de distância.

(https://www.gov.br/funai/pt-br/atuacao/terras-indigenas/geoprocessamento-e-mapas).

A definição dos estudos indígenas consta da Portaria Interministerial nº 60/2015, ao passo que a competência do licenciamento está prevista na Lei Complementar nº 140/2011 e no Decreto n° 8437/2015. Importante ressaltar ainda que a ANP, quando definiu os limites dos blocos exploratórios de óleo e gás, fez as consultas a potenciais áreas e terras indígenas consolidadas. Só depois de confirmada a inexistência é que os blocos foram licitados pela agência.

Em virtude de não haver terras indígenas e pela própria tipologia das atividades, a competência para licenciar é integralmente do órgão ambiental estadual (IPAAM). Destaca-se que especificamente para termelétrica foi firmado um acordo de cooperação técnica (ACT nº 15/2023) entre IBAMA e IPAAM, fundamentando a delegação de competência do IBAMA para o órgão estadual.

A companhia frisa que todos os processos de licenciamentos de seus empreendimentos na Amazônia cumprem rigorosamente as leis e os regulamentos, os quais contribuem com o desenvolvimento, com a inegociável preservação ambiental, com a geração de empregos e oportunidades e com o alinhamento às novas matrizes econômicas para a região.

Ainda vale relembrar que a Justiça ratificou a regularidade do processo de licenciamento do Complexo Azulão ao restabelecer rapidamente as licenças que haviam sido suspensas por uma decisão de caráter liminar. Deste modo, a companhia seguiu e segue a legislação vigente para obtenção do licenciamento ambiental.

Cabe também mencionar que, em relação ao MPF, foram realizadas reuniões presenciais na Procuradoria da República localizada em Manaus, Estado do Amazonas, com a presença de diversos procuradores da República e representantes do Jurídico da Eneva. Foram apresentados documentos e, ainda, prestados esclarecimentos sobre as atividades da empresa e o projeto Complexo Azulão para o Procurador da República. Houve ainda a oportunidade de fornecer mais explicações sobre pontos como: a competência para licenciar ser integralmente do IPAAM (órgão ambiental estadual), e a não necessidade de realização de Estudo de Componente Indígena (conforme detalhado acima), dentre outros.

https://amazonasatual.com.br/

 

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