Contrasenso: Terra das Cachoeiras, Presidente Figueiredo sofre com a falta de água nas torneiras
Procurada, prefeitura não responde. Durante visita técnica, em julho, Cosama contabilizou somente cinco poços no município
Moradora precisa ter duas caixas d’água em casa para dar conta do desabastecimento que atinge a comunidade Jardim Floresta, a 26 quilômetros do Centro de PF (Foto: Jeiza Russo)
Conhecido como “terra das Cachoeiras”, o Município de Presidente Figueiredo, na Região Metropolitana de Manaus, vive uma crise no abastecimento de água a um mês do primeiro turno das eleições.
Bairros das zonas rural e urbana têm passado por racionamento de água encanada e o temor é que a estiagem deste ano agrave o cenário. Em alguns casos, a única opção é ser atendido por caminhões-pipa contratados pela prefeitura da cidade.
Esta reportagem é a segunda de uma série que está em produção pela equipe de A CRÍTICA nos municípios da Região Metropolitana de Manaus, um mês antes do primeiro turno das eleições municipais. A primeira foi publicada na quarta-feira com relatos de moradores do Iranduba sobre falta de oportunidades de trabalho.
“Moro aqui há oito anos e sempre aconteceu esse problema de falta de água. É muito complicado, porque não temos caixa d’água. Todo dia tem que encher balde e garrafa. Só chega água à noite. Tenho que lavar roupa de madrugada”, comenta a dona de casa Alcinete Noronha, 47, moradora do bairro Galo da Serra I, onde fica localizada a Câmara Municipal de Presidente Figueiredo, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e alguns órgãos da administração municipal.
A mãe dela, a aposentada Raimunda Noronha, 76, que vive em outra casa no mesmo bairro, passa pelo mesmo problema. “É complicado para fazer comida e até beber água. A gente espera chegar na torneira à noite pra encher as garrafas, mas a qualidade também não é boa. A gente só queria que resolvesse isso”, clama.
Sem caixa d’água em casa, dona Alcinete sofre há 8 com a falta de abastecimento (Foto: Jeiza Russo)
Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, do governo federal, apontam que, até 2022, quatro em cada dez moradores de Presidente Figueiredo (44,57%) não tinham acesso à água. A população do município é de 33.004 habitantes, segundo as estimativas do IBGE para este ano. O esgoto também é um problema: oito em cada dez não têm o serviço (83,7%), segundo o SNIS.
‘Muito ruim’
No bairro Maroaga, também na zona urbana, a situação é similar. “Olha, aqui a situação é muito complicada. Somos atendidos por caminhão-pipa, mas ele não vai em todas as casas todos os dias. Geralmente vai numa rua, aí acaba a água armazenada, ele volta no dia seguinte. Todo mundo aqui tem que ter caixa d’água. Quando não, é no balde mesmo”, afirma um comerciante que preferiu não se identificar.
Outro morador que pediu para não ser identificado disse que já precisou levar a família para tomar banho na cachoeira do Urubuí, cartão-postal da cidade, porque não tinha água em casa.
Zona rural
O problema da falta de água se estende para além da sede do município. Moradora da comunidade Jardim Floresta, a 26 quilômetros do Centro de Presidente Figueiredo, a dona de casa Evanilde Soares da Silva, que mora com o marido e um filho pequeno, diz que só consegue amenizar o problema porque a família usa duas caixas d’água.
“Aqui é assim. Tem dia que tem água, e em outro, não. Nos mudamos há dois meses e meu marido logo fez um encanamento aqui para ligar uma dessas caixas nas pias, na máquina de lavar e no chuveiro. Assim a gente consegue usar a água na pia, no banheiro, mas é muito ruim. A outra fica como um tanque reserva, mas o melhor seria que não precisasse de nada disso”, comenta.
Sem resposta
A reportagem entrou em contato com a prefeitura de Presidente Figueiredo, mas não houve retorno até o fechamento desta reportagem. O site do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) do município não traz informações sobre o sistema atual e investimentos em andamento.
Somente cinco caixas d’água foram contabilizadas pela Cosama no município (Foto: Jeiza Russo)
Por outro lado, a Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama), vinculada ao governo estadual, divulgou a realização de uma visita técnica, em julho, ao município. Segundo o órgão, a zona urbana de Presidente Figueiredo tem três poços de captação (Estação Andorinha, Estação Curió e Estação Residencial Galo da Serra II). O SAAE também abastece duas comunidades próximas ao município, Comunidade Maroaga, com dois poços, e Comunidade Nova Aliança, abastecida por uma fonte.
Propostas eleitorais
Dos quatro candidatos à prefeitura de Presidente Figueiredo, três citam o problema da água e apenas dois propõem ao menos uma medida de enfrentamento ao cenário. O plano de governo que nem sequer tem a palavra ‘água’ é do candidato Odimar Cipriano (PDT).
O candidato Anderson Leal (Novo) cita a falta de escoamento da água e a inexistência de esgoto para todos, mas não faz propostas para os problemas. Já o candidato Fernando Vieira (PL) promete a criação e implantação do Sistema Municipal de Abastecimento de Água (SIMAA), além de construções para distribuição de água e esgotamento sanitário.
A atual prefeita e candidata à reeleição, Patrícia Lopes (União), promete a construção de novos poços na sede do município e na zona rural. Além disso, diz que fará a construção de novas estações de tratamento de água potável e a ampliação dos atuais reservatórios de água da cidade.
População tem medo de denunciar
Durante a apuração da reportagem em Presidente Figueiredo, mais de uma dezena de moradores preferiu comentar sobre o cenário eleitoral sem se identificar para a matéria. “Aqui se você criticar um, vai se indispor com outro e isso não é bom no interior”, disse um comerciante.
Outro morador, também comerciante, disse que a população tem medo de fazer críticas públicas.
Para além do medo, a socióloga e pesquisadora sênior do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal, Paula Ramos, diz que uma certa descrença da política também faz com que a população tenha menos disposição para criticar problemas estruturais.
“O pano de fundo, na verdade, é um descontentamento com essa estrutura política, com esse formato de escolha de representantes no qual eles não conseguem mais se ver representados. Uma vez que isso ocorre, eles não têm interesse em abordar determinadas questões que os incomodam”, avalia.
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