A luta de Flora Mesquita contra o câncer nos ensinou a ter coragem
A primeira vez em que vi Flora Mesquita Garcia ela estava quebrando o ar com seu ventre. Dançava como um pássaro voa no ar, riscando o espaço. Estávamos num piquenique no Eixão Sul e Flora esbanjou felicidades. Cantou, sorriu, encantou e irradiou energias. Guardei essa imagem naqueles cantinhos sagrados da memória. Hoje, ao saber da morte dessa artista, musicista, educadora infantil e amante da vida, aos 36 anos, fui parar de novo naquele pedacinho de grama verde, olhando e me encantando.
Nos últimos tempos, a vida de Flora Mesquita Garcia foi de brava luta. A descoberta do câncer durante a gravidez da menina Lira, em 2015, a transformou no que parecia ser um estado de graça: o da maternidade. Espiritualista, Flora se segurou em sua fé para garantir que Lira nascesse em maio daquele ano. Referia-se a tudo com o sobrenome “Deus”. Ao lado do marido, Ramon, a batalha não era mais por uma vida. Mais por duas.
JULIANA MATOS/REPRODUÇÃO
Flora quis esse parto, mesmo sabendo que a condição de gestante poderia agravar o tratamento do câncer. Não só desejou como assegurou que Lira viesse à vida com segurança.As equipes médicas estabeleceram uma data limite porque o tratamento contra o câncer exigia doses mais intensas de quimioterapia. O casal não abriu mão do parto humanizado e a menina nasceu saudável. Naquele dia, a equipe que acompanhou a gestação chorou junto com o casal. Uma história de superação e de esperança.
O bebê mamou, e muito, e só saiu do colo da mãe duas horas depois do nascimento.
A missão de Flora Mesquita sempre foi a de ser e de dar leveza aos outros. Não poderia ser diferente quando Lira nasceu. Passou então a registrar seu cotidiano de tratamento ao câncer. Sempre com um humor extraordinário, ensinou que não cabia em si o papel de vítima. Queria ser acolhedora e fazer com que pessoas em situação similar pudesse reagir com a mesma força.
A depressão inimiga da doença ganhou em Flora Mesquita uma rival implacável. Ela poderia estar com os piores sintomas, mas sempre filtrava a dor antes de mexer com as palavras que pareciam dançar como ela nas suas redes sociais.
Quando quase morreu, tempos depois do parto, por conta de uma pneumonia, referia-se, com humor, às consequências. Chamava à causadora de tudo de “bactélia”, quando Lira começou a falar. E ria nas transmissões que fazia ao vivo nas redes sociais. A felicidade de voltar a tomar um café, de colocar os óleos essenciais para purificar o ambiente. A alegria de ouvir os pássaros.
Flora aprendeu e ensinou que a vida deve ser rodeada de sentimento de gratidão. Os segundos ganharam outra dimensão de tempo. Por isso, a casa estava sempre cheia, com música e crianças correndo pela grama.
Quem acompanhou a luta de Flora, de perto ou de longe, tem a sensação de ela ter encontrado a morte – nesta sexta-feira (29/6) – sorrindo. Esse sorriso fica em todos, nas fotos das redes sociais, e no ensinamento.
Não haverá um sepultamento, apenas um velório, pois Flora brindou o mundo com generosidade até em sua partida. Doou seu corpo para estudos médicos. Nossa Flora há de auxiliar a medicina a vencer a luta contra o câncer. Siga em paz!