Dor em meio à lama. Os relatos da tragédia que dizimou Brumadinho
O agricultor José Geraldo Nunes conta só ter escapado da morte porque ouviu um estrondo. “Pensei na hora que só poderia ser o rompimento”
Na hora em que a lama rompeu a estrutura da bacia da Vale no município mineiro situado a 70 km de Belo Horizonte, o homem cuidava da horta familiar. Ele estava acompanhado de um amigo quando ouviu um forte barulho. “Pensei na hora que aquilo só poderia ser o rompimento da barragem. Era algo que todos temiam.”
Ciente do estrago que a lama poderia causar, José Geraldo correu em direção ao Rio Paraopeba e, em uma posição mais alta e segura, viu o mar de rejeitos destruir tudo o que conquistou ao longo de 40 anos. “A força da lama arrancava árvores e carregava casas como se elas fossem de papel”, contou.
Acostumado a banhar-se no espelho d’água há 40 décadas, o trabalhador não reconheceu o rio que corta a cidade: “Ganhou outra cor, está escuro. É triste”, lamenta. A correnteza, que sempre trouxe fartura de peixes, agora só oferece detritos minerais misturados ao barro. “Peixes mortos começaram a descer de manhã. Alguns colegas estão sem dormir com medo de os resíduos invadirem as casas”, relatou.
O relato de dor e tristeza de José Geraldo é apenas um entre milhares de trabalhadores e moradores da pacata cidadezinha mineira. A reportagem do Metrópoles esteve no epicentro do desastre e traz a dimensão da catástrofe na vida dos sobreviventes.
“Corpos irreconhecíveis”
Em busca de sobreviventes para amenizar a dor das famílias das vítimas, o vigilante Ueslei Jacson Almeida, 28 anos, passou parte do dia percorrendo as margens do rio para auxiliar voluntariamente as equipes de resgate. Em menos de oito horas de buscas, ele encontrou seis cadáveres e dois sobreviventes da tragédia de Brumadinho.
O segurança afirmou conhecer bem a região, pois já trabalhou na Vale. Segundo ele, o complexo montado para os funcionários era uma “armadilha”. “O restaurante ficava na parte inferior, como se fosse dentro de um buraco”, disse.
Veja o relato de Ueslei Jacson:
“Levou os sonhos”
Além de soterrar casas, a lama jogou por terra planos de pessoas que, agora, sequer têm onde morar. “Em questão de segundos, levou os sonhos e os nossos bens”, desabafou o líder comunitário do povoado Parque das Cachoeiras Adilson Charlys Ramos de Sousa, 49. Desde a tragédia, ele presta apoio às famílias desabrigadas.
Devido ao desastre que arrasou a vida da população local, alguns moradores tiveram de pedir abrigo em Belo Horizonte. Outros, contam com auxílio de vizinhos.
Assista a entrevista de Adilson Charlys:
“Minha mãe está transtornada”
O assistente administrativo Wanderson Mendes, 34, viu a casa da mãe, Beatriz Alves, 58, ser engolida pelos rejeitos da mineradora. A residência, avaliada em R$ 400 mil, contava com quadra poliesportiva, piscina, criação de cavalos e aves.
Por sorte, no momento em que a barragem rompeu, o imóvel estava vazio. Beatriz estava viajando e o irmão mais novo de Wanderson trabalhava em um horta e conseguiu correr ao ouvir o estrondo.
“Quando vi a notícia na TV, reparei em um local que era para estar a casa da minha mãe. Tirei uma foto e enviei para ela. Hoje, nos reunimos e comprovamos que não sobrou nada. Conseguimos resgatar apenas um gato que ela criava”, disse.
Resgaste de animais
Além do mutirão de solidariedade formado para buscar sobreviventes e ajudar desabrigados, um grupo decidiu se juntar para socorrer os animais atingidos pela tragédia. A advogada Bárbara Peixoto, 30, partiu de Belo Horizonte rumo a Brumadinho com 10 amigos a fim de prestar assistências a cachorros, gatos e outros bichos feridos ou perdidos dos donos.
Os voluntários espalharam potes com água e ração nas ruas da região mineira.
Defensor critica empresa
A Defensoria Pública da União (DPU) foi até o povoado de Parque das Cachoeiras. O defensor público Antônio de Maia e Pádua explicou ao Metrópoles que a lista de desaparecidos divulgada pela Vale apresentava omissões.
“Percebemos que os nomes dos desaparecidos e dos mortos são apenas de funcionários e terceirizados. Sentimos falta da relação dos moradores. Apenas nessa rua que estamos, levantamos que 15 famílias foram afetadas”, destacou.
“Vamos pegar os dados dessas famílias, levantar os danos e atuar junto à Justiça. Nesse caso, cabe, no mínimo, uma indenização”, completou.
Força-tarefa
Um forte aparato militar foi montado para bloquear acesso a áreas de risco. A cidade, considerada pequena e pacata, virou palco de autoridades do governo, agências de fiscalização e jornalistas. Helicópteros sobrevoam a região em busca de sobreviventes durante todo o dia.
À tarde, funcionários do laboratório particular ALS começaram a colher amostras de água em diversos pontos do Rio Paraopeba. Cerca de 50 garrafas contendo 1 litro de água cada serão analisadas para medir a quantidade de poluição do local. A empresa foi contratada pela Vale.
PF abre inquérito
Em meio ao intenso trabalho de procura por sobreviventes e corpos, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar as causas da ruptura da bacia. A corporação apura crimes ambientais e contra a vida. O objetivo é apontar a autoria dos responsáveis pelo desastre.
De acordo com a PF, serão realizados interrogatórios, buscas por documentos e diligências para apurar a materialidade da ruptura da bacia que resultou no desaparecimento de pelo menos 254 funcionários e terceirizados da Vale. Segundo os bombeiros, 46 foram localizadas vivas.
Ainda de acordo com o levantamento, 86 famílias da comunidade de Brumadinho estão cadastradas no banco de contatos do governo, em busca de parentes. A Justiça de Minas Gerais determinou o bloqueio de R$ 5 bilhões da empresa Vale, responsável por administrar a barragem
A Vale atualizou na manhã desse sábado (26) a lista de funcionários sem contato, no site da empresa. O número estava em 412. Além do documento, a mineradora disponibilizou um telefone para que as pessoas já fora de perigo possam ligar e pedir para ter o nome retirado da relação de desaparecidos: 0800 821 500.
Em paralelo, a Polícia Civil de Minas Gerais abriu inquérito a fim de investigar e identificar os autores dos danos contra as vítimas e contra o meio ambiente. O caso está sob a responsabilidade do delegado Luiz Otávio, da Delegacia de Meio Ambiente.
De acordo com o comandante do Corpo de Bombeiros, coronel Leão, as buscas por vítimas estão concentradas em quatro pontos: um ônibus de funcionários encontrado soterrado, uma locomotiva, um prédio e a comunidade Parque da Cachoeira.
GUI PRÍMOLA/METRÓPOLES
ONU lamenta
A Organização das Nações Unidas (ONU) lamentou a tragédia causada devido ao rompimento da barragem da mineradora Vale, na cidade de Brumadinho (MG). Em nota, a instituição afirmou que a “perda de vidas e os significativos danos ao meio ambiente e assentamentos humanos são incomensuráveis”.O texto também diz que a ONU está à disposição para apoiar as ações das autoridades brasileiras na rápida remoção das vítimas e no estabelecimento de condições dignas à população atingida.
Destruição Igo Estrela/Metrópoles
Rio de lama Igo Estrela/Metrópoles
Rastro de destruição Igo Estrela/Metrópoles
Bombeiros se empenham no resgate Wilson Junior/Estadão Conteúdo
Moradores da região que residem na parte mais baixa de Brumadinho precisaram deixar suas casas, segundo a Defesa CivilFELIPE CORREIA/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO
Mais de 250 pessoas ainda estão desaparecidas Igo Estrela/Metrópoles
Corpo resgatado pelos socorristas ALEX DE JESUS/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
Rio foi tomado pela lama Igo Estrela/Metrópoles
Moradores que residiam próximo à barragem perderam tudo Igo Estrela/Metrópoles
Onda de lama escorreu da barragem, invadindo áreas de criação de animais, plantações, estradas e casas MOISéS SILVA/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
As autoridades estaduais e federais se mobilizaram. O governo de Minas Gerais montou uma força-tarefa para socorrer vítimas, prestar apoio à população e averiguar a extensão da tragédia Isac Nóbrega/PR
Pouco restou depois da tragédia Igo Estrela/Metrópoles
Casas foram cobertas pela lama Igo Estrela/Metrópoles
Peixes mortos Igo Estrela/Metrópoles
Bombeiros procuram sobreviventes: mais de 100 socorristas foram deslocados para a região. Nesse sábado (26), o efetivo foi dobradoUARLEN VALéRIO/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem aérea mostra a extensão do “mar de lama” que tomou conta da regiãoMOISéS SILVA/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
Gado também foi arrastado pela lamaFERNANDO MORENO/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Bombeiros atuam no resgate dos feridos e corposUARLEN VALÉRIO/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
De início, seis aeronaves dos bombeiros foram usadas nas buscas. Defesa Civil também atua no local UARLEN VALéRIO/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
Morador tenta salvar eletrodoméstico. Prefeitura pediu para comunidade deixar a áreaRODNEY COSTA/ELEVEN/ESTADÃO CONTEÚDO
A lama invadiu rodovias e interrompeu a passagem de carros pela regiãoCHRISTYAM DE LIMA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Aeronave dos bombeiros FERNANDO MORENO/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Equipes de socorro na região do desastre: governos municipal, estadual e federal montaram gabinetes de crise e mandaram representantes para BrumadinhoMOISéS SILVA/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
A barragem que se rompeu era considerada de baixo risco de acidentes e estava desativada desde 2014, de acordo com o governo do estado e a ValeUARLEN VALéRIO/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
Antes da tragédia, a área atingida tinha campos e plantações. Agora: tudo destruídoUARLEN VALéRIO/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
Moradores conferem, incrédulos, o local da tragédia. Testemunhas dizem não ter ouvido sirene de alerta MÁRCIO FERNANDES DE OLIVEIRA/ESTADÃO CONTEÚDO
A água misturada com rejeitos de minérios invadiu plantações da região: lama tóxicaMOISÉS SILVA/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
Tragédia em Brumadinho ocorreu três anos após o desastre de Mariana, que matou 19 pessoas e poluiu o Rio Doce REPDOUÇÃO/CORPO DE BOMBEIROS
Quando a barragem se rompeu, a lama arrastou o que estava pelo caminho, inclusive carros MOISéS SILVA/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
Bombeiros trabalham com auxílio de aeronaves Divulgação/Corpo de Bombeiros
A Justiça determinou bloqueio de R$ 1 bilhão da Vale. Posteriormente, nova decisão aumentou o valor do montante retido para R$ 5 bilhões, a fim de garantir reparação dos danos causados ao meio ambiente Isac Nóbrega/PR
Não se sabe, ainda, qual é o impacto do desastre Reprodução/TV Globo
A Mina Córrego do Feijão, cujo rompimento da barragem provocou mais um acidente da mineradora Vale em Minas Gerais em menos de três anos, faz parte do Complexo de Paraopeba WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
Bombeiros atuam no resgate dos feridos e corposUARLEN VALÉRIO/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
O Corpo de Bombeiros montou a operação nas proximidades de um campo de futebol. O local está sendo utilizado como área de avaliação e triagem de vítimas para atendimento médico. Quase 100 bombeiros foram deslocados para a região e o efetivo foi dobrado no sábado (26). Seis aeronaves da corporação estão envolvidas nos resgates.
Desastre
A barragem Mina Feijão, em Brumadinho (MG), rompeu-se por volta das 13h de sexta-feira (25). O vazamento de lama fez com que uma outra barragem da Vale transbordasse. O restaurante da companhia foi soterrado. O prédio administrativo também foi atingido.
A lama se espalhou pela cidade e moradores precisaram deixar as casas. Equipes de bombeiros e da Defesa Civil foram mobilizadas para a área e estão em busca de vítimas. Tanto o governo federal quanto o local montaram gabinetes de crise e deslocaram autoridades para a região.
O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), e o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), sobrevoaram a localidade da tragédia. A Prefeitura Municipal de Brumadinho chegou a pedir, por meio das redes sociais, que a população da cidade mantenha distância do Rio Paraopeba, um dos principais afluentes do Rio São Francisco.
Veja imagens e a repercussão da tragédia nas redes sociais: