Tratamento contra a Covid-19 com anticorpos de cavalos pode chegar a pacientes em 3 meses

 

 
 
Luís Eduardo da Cunha (de colete) acompanha os testes com os cavalos na fazenda em Cachoeiras de Macacu Foto: Guito Moreto / Guito Moreto

Numa fazenda na zona rural de Cachoeiras de Macacu, no Estado do Rio, começa esta semana a primeira etapa de testes para um novo tratamento contra a Covid-19. Trata-se de um soro, produzido a partir do plasma com anticorpos de cavalos e semelhante aos usados com sucesso contra a raiva e o tétano. A estratégia não é nova, mas a esperança de tratar dentro de alguns meses com eficiência pacientes com Covid-19 é renovada.

Se todos os testes derem certo, o chamado soro hiperimune poderá chegar a pacientes e profissionais de saúde expostos ao coronavírus em cerca de três ou quatro meses, estima o coordenador do projeto, Jerson Lima Silva, professor titular do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente da Faperj.

— Impossível dizer em quanto tempo teremos o soro porque começamos agora, mas há motivos para o otimismo — diz Lima Silva.

As vantagens do método são a rapidez nos testes e na produção, a possibilidade de produzir em grande escala anticorpos padronizados e o baixo custo. Anticorpos monoclonais (sintetizados e específicos contra uma determinada proteína) em testes na China e nos Estados Unidos, por exemplo, têm preço proibitivo. Tratamentos contra o câncer feitos com eles custam milhares de dólares.

Já o soro convalescente, doado por pessoas que se recuperaram da Covid-19, está em teste no tratamento de pacientes graves no Rio, mas é artesanal e não pode ser produzido em grande quantidade.

— O soro hiperimune de cavalos pode ajudar até que uma vacina e remédios estejam disponíveis. É uma estratégia antiga, mas que funciona — explica Lima Silva, um dos cientistas mais premiados do Brasil e especialista no estudo da estrutura de proteínas.

Totalmente desenvolvido no Estado do Rio, o tratamento teria acesso garantido aos brasileiros, uma urgência num país em que faltam insumos essenciais contra o coronavírus, como testes de diagnóstico, EPIs e respiradores.

Hoje, o único protocolo de tratamento contra a Covid-19 estabelecido pelo Ministério da Saúde — com cloroquina e hidroxicloroquina — não tem aval da comunidade científica e de sociedades médicas devido à falta de comprovação de sua eficiência e ao risco de efeitos colaterais graves.

O desenvolvimento de soro com anticorpos é parte de um programa ambicioso contra a Covid-19, que inclui vacina, remédios e testes de diagnóstico. O projeto inclui a UFRJ, o Instituto Vital Brazil (IVB), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR).

Produção está em andamento

Estão em teste duas formas de estimular a produção de anticorpos. A primeira, mais fácil de fazer em série, é com antígenos da proteína S do Sars-Cov-2. Ela é a chave que o coronavírus utiliza para invadir as células humanas. Os anticorpos funcionarão como um “durepox” e vão trancar a porta, explica Luís Eduardo Ribeiro da Cunha, vice-presidente do Vital Brazil, que coordena a inoculação dos cavalos e a produção de soro.

Na segunda, o coronavírus é inativado, na UFRJ e na Fiocruz, através de um agente químico ou físico que o torna incapaz de infectar células e se replicar. Porém, ainda preserva as proteínas que podem estimular uma reação do sistema de defesa. Essa estratégia, em tese, pode oferecer uma resposta mais eficaz do sistema imunológico, mas tem limitações de produção porque necessita de um laboratório de segurança nível 3 de grande escala — a falta dele também é um obstáculo para o desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19 no Brasil.

Na semana passada, Ribeiro da Cunha concluiu na fazenda do Vital Brazil, em Macacu, a seleção de cavalos — animal padrão para a produção de soros hiperimunes. Cinco animais receberão a proteína S do coronavírus; outros cinco, o vírus inativado. Dez animais são suficientes para produzir soro para tratar cem mil pessoas em um ano.

Esse soro não deverá ser dado a doentes graves e sim àqueles que estão em estágio intermediário. O soro atua diretamente sobre a multiplicação do vírus, mas não teria impacto quando o coronavírus já deflagrou uma reação descontrolada do sistema imunológico e a pessoa está com uma inflamação generalizada grave.

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