TCU mantém licença prévia para pavimentar trecho do meio da BR-319
O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu, nesta quarta-feira (27), manter a validade da Licença Prévia nº 672/2022, concedida pelo Ibama, que autoriza a pavimentação do chamado “trecho do meio” da BR-319, estrada que liga Manaus a Porto Velho. A proposta de anulação da licença foi rejeitada pelo plenário da Corte, que reconheceu a importância estratégica da obra para a região amazônica.
Durante a votação, o presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, disse ter se surpreendido com a possibilidade de o tribunal anular a licença já concedida.
“Admito que fiquei até um pouco perplexo com a possibilidade de uma proposta da unidade de auditoria especializada que este tribunal decretasse a nulidade de uma licença ambiental. Eu nunca vi isso na minha vida. Mas felizmente o relator teve a serenidade para colocar as coisas em seus devidos lugares e tanto cumprimento e acompanho o relator”, argumentou o ministro Bruno Dantas.
Já o relator do processo, ministro Walton Alencar, ressaltou que impedir a continuidade da obra poderia isolar ainda mais a região e causar prejuízos diretos às populações locais.
“Gostaria de explicitar ao plenário, um resultado que não permitisse a continuidade das obras conteria obliterar a mesma possibilidade de acesso à região amazônica. Isso poderia ser motivo de caos e dano para as populações abrangidas pelo transporte, por esse modal rodoviário. É algo assim, que já é um modal. Que já existe e tem de ser aprimorado e não suprimido”, afirmou o relator, ministro Waldo Alencar.
Divergências técnicas e riscos ambientais
O relatório técnico que embasou o julgamento no TCU apontava contradições na concessão da licença ambiental. Pareceres do próprio Ibama alertaram que a obra só seria viável em um cenário de forte governança, algo ainda inexistente.
Segundo os técnicos, “desde pelo menos 2009, o Ibama afirma em suas manifestações técnicas que a reconstrução da BR-319 somente seria ambientalmente viável em um cenário de forte governança, mediante adequada articulação interinstitucional e efetiva presença do aparato estatal na região. Isso porque, historicamente, a abertura de estradas na Amazônia leva à ocupação irregular de terras, ao aumento do desmatamento e a conflitos sociais”.
Estudos apresentados no processo estimam que a pavimentação pode resultar em 170 mil km² de desmatamento acumulado, equivalente à soma dos estados de Rio de Janeiro, Espírito Santo, Alagoas e Rio Grande do Norte.
O relatório também destacou:
“A pavimentação da BR-319 levaria a um desmatamento acumulado da Amazônia da ordem de 170 mil km². Com isso, as emissões de gases do efeito estufa inviabilizariam o alcance dos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris. Ademais, os pesquisadores calculam que a redução de chuvas decorrente da perda de vegetação nativa acarretaria prejuízos de mais de 350 milhões de dólares anuais apenas em perdas de receitas de geração de energia hidrelétrica, cultivo de soja e pecuária”.
O parecer do TCU ainda apontou que o próprio Ibama reconheceu essa fragilidade ao conceder a licença:
“Há evidente contradição entre suas manifestações técnicas e a emissão da licença. Se o Ibama afirma que a governança ambiental é necessária para a viabilidade do empreendimento e demonstra que essa governança não está garantida, a autoridade licenciadora não poderia, mediante à emissão de licença prévia, atestar a viabilidade ambiental do projeto de forma claramente contrária às razões unanimemente expostas em suas próprias manifestações técnicas”.
Condicionantes e governança ambiental
Apesar dos alertas, o voto vencedor do relator ministro Walton Alencar ressaltou que a ausência de pavimentação já causa danos à população amazônica, dificultando o acesso do Estado e favorecendo atividades ilegais.
“Este processo causou seríssimas perplexidades em todo o meio da Amazônia, porque, de certa forma, um resultado que não permitisse a continuidade das obras conteria obliterar a mesma possibilidade de acesso à região amazônica. Isso poderia ser motivo de caos e dano para as populações abrangidas pelo transporte por esse modal rodoviário. É algo assim: um modal que já existe e tem de ser aprimorado – e não suprimido”, afirmou o ministro.
O TCU recomendou que novos licenciamentos ambientais na Amazônia exijam medidas mais rigorosas de governança, como postos de controle, fortalecimento da presença estatal e ações conjuntas entre União, estados e municípios.
A decisão mantém a licença válida até 2027, enquanto o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) segue com a preparação de projetos básicos e executivos para a obra. O processo ainda depende da emissão da Licença de Instalação, que exigirá o cumprimento das condicionantes ambientais previstas.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM), um dos principais defensores da pavimentação no Congresso, comemorou o resultado. “É uma vitória do povo do Amazonas. Mesmo que ainda existam outros obstáculos, isso é um avanço para pavimentação da BR-319. Uma decisão desta magnitude, com o peso que têm os ministros deste tribunal, é um sinal claro do que é melhor para o estado do Amazonas, para o povo do Amazonas, e de Roraima e Rondônia”, afirmou.
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