Tudo o que você sempre quis saber sobre picanha, a número um nas grelhas brasileiras

 

Descubra um pouco mais e aprenda a preparar a peça de carne perfeita

Difícil pensar em churrasco sem imediatamente lembrar de picanha (e já ensinamos aqui a assar uma peça do modo certo). Afinal, é o corte mais popular nas churrasqueiras brasileiras. E de cada vez mais pessoas mundo afora, provavelmente por se tratar de um corte fabuloso que apresenta elementos perfeitos: excepcional sabor, suculência, consistência e gordura. É um dos  cortes mais caros no Brasil, mas ainda barato em várias partes do mundo – algo que, acredito, irá mudar no decorrer dos próximos anos com sua crescente demanda no exterior.

Há alguns anos passei por uma situação interessante que mostra bem como a picanha é adorada. Estava cozinhando no Meatopia em Londres e servindo a picanha em tiras. Em determinado momento, uma pessoa (que já havia comido pelo menos duas porções) me perguntou: “Você tem embalagem para viagem?”. Pedi desculpas e disse que infelizmente não, mas que podia tentar adaptar algo para ele. “Sem problemas. Por favor, prepare mais cinco porções – quero levar para casa.”

A título de curiosidade, a picanha tem diversos nomes mundo afora: Rump Cap, Cap of Rump,  Rump of Cap, Top Sirloin Cap, Tapa de Cuadril e por aí vai. Muita gente acha que picanha tem que ter no máximo um quilo, um quilo e pouquinho, e que se for além disso estamos comprando coxão duro junto com ela. Não é verdade. Já comi diversas vezes picanha com mais de 1,6 kg e estavam perfeitas. Picanha não é limitada pelo peso, mas sim pela terceira veia que se localiza no final da parte mais larga da peça. Se passar demais dessa veia, aí sim, começa a entrar no coxão duro. Genética, idade, tipo e tempo de alimentação são alguns dos fatores determinantes para o tamanho e peso do animal. É uma questão matemática: quanto maior e mais pesado o animal ou carcaça, maior e mais pesada será a picanha.

Questões de peso à parte, a picanha foi caindo nas graças dos brasileiros a partir do fim dos anos 1960, com grande contribuição do Sr. Lázslo Wessel, pai do meu querido amigo István. A história conta que, ao atender a um pedido de um cliente alemão, Seu Lázslo providenciou o corte que seria separado da alcatra e usado em um cozido. Sim, pasmem, um cozido, o Tafelspitz. Mal sabia ele que aquele corte, que possuía o mesmo nome do prato, se tornaria o mais celebrado do nosso churrasco.

A picanha perfeita (Foto: André Lima de Luca)

Os Wessel, aliás, sempre tiveram papel de vanguarda em tendências e processos fortemente presentes nas nossas cozinhas. Muito provavelmente foram eles os primeiros açougueiros a vender a picanha em escala comercial aqui no Brasil, no fim da década de 1960. Anos mais tarde, István, após uma temporada na Holanda, introduziu no Brasil a técnica da carne maturada, outro passo gigantesco. Já em 1980 ele inovou novamente, começando a vender carpaccio, até então pouquíssimo conhecido por aqui. É realmente uma família extraordinária.

Também falando do nosso corte-tema da semana, não poderia deixar de mencionar o incrível restaurante Rodeio, em São Paulo, e sua deliciosa picanha fatiada. Sempre que passo por perto do Rodeio  lembro da imagem da picanha chegando à mesa de forma inteira  antes de ser fatiada e grelhada na hora, em uma das churrasqueiras localizadas no salão. Uma coisa linda de se ver e comer. O Rodeio, hoje com quase 60 anos, é um daqueles lugares icônicos da gastronomia. Quando paro pra lembrar de alguns almoços memoráveis que tive por lá, é impossível não lembrar do arroz biro-biro, do palmito assado, da costela, dos pães de queijo, do beef tea… Grande Rodeio.

A picanha perfeita (Foto: André Lima de Luca)

Como fazer a picanha perfeita

A parte mais macia da picanha se localiza na ponta, aquele triângulo inicial. O bife de tira, bastante popular no Brasil há décadas, me pareceu sempre uma ótima opção para porcionar a picanha. Ele é cortado sem esse triângulo inicial e sem as laterais da peça, usando-se o centro da picanha e criando dois ou três steaks retangulares e uniformes.

Existem algumas boas formas de se assar e porcionar a picanha, não acho que exista “a” melhor maneira. A que mais uso (tem sido assim há cinco anos, pelo menos) é a picanha em tiras, cortada após ser selada rapidamente. Gosto da ideia de cortar toda a peça em tiras, já que é uma forma de servir em todos os steaks um pedaço da parte mais macia do corte, aquele triângulo que já falamos anteriormente.

A picanha perfeita (Foto: André Lima de Luca)
 

Lembro sempre do genial Marcos Bassi – uma das minhas grandes referências – colocando alguns cortes de carne recém-salgados ao lado da churrasqueira antes de levá-los à grelha. Acho que a ideia dele era elevar moderadamente a temperatura da carne e ajudar na absorção inicial do sal.

Como sabem, sou da linha que evita altíssimas temperaturas e chamas na carne. Por algumas razões: maior controle do cozimento, ponto uniforme dentro da peça, menor perda de suco e, acima de tudo, para não estressar as fibras. Quanto mais relaxadas elas estiverem – uma das razões para descansar a carne antes de servir – melhor o resultado, a meu ver.

A picanha perfeita (Foto: André Lima de Luca)

Bom, e por que gosto de selar a picanha antes de porcioná-la em tiras? Acho que, além de elevar a temperatura interna da peça, algo acontece com as fibras em questão. Me parecem mais relaxadas quando os steaks voltam para a grelha. É uma teoria que pode ou não fazer sentido para muitos, e que uso em outros cortes, como o  ancho, quando a peça é grande e vou porcionar em steaks individuais. Muita gente pergunta se não perdemos suculência selando a peça antes. Acredito que não, especialmente se o fizermos muito rapidamente e pouco tempo antes de voltar a assá-la. A peça é apenas selada ligeiramente e porcionada após 15 minutos, quando já esfriou. Podem reparar que praticamente não fica suco algum na tábua.

Ingredientes para 4 pessoas:

– 1 peça de picanha
– sal em escamas, flor de sal ou sal grosso em pedaços pequenos
– pimenta-do-reino moída na hora

A picanha perfeita (Foto: André Lima de Luca)

Modo de preparo:

Comece a brasa pelo menos 30 minutos antes de grelhar a carne, formando uma grande pilha de carvão. Uma ótima forma de acender a churrasqueira é usando aqueles acendedores elétricos próprios para churrasco. É rápido, prático e sem risco de explosão. Assim que estiver sem labaredas, espalhe as brasas por baixo de praticamente toda a grelha.

Enquanto isso, tire a picanha da geladeira e espere chegar próxima à temperatura ambiente.

Sele os dois lados da picanha, com a grelha posicionada a 15 centímetros da brasa, começando com a parte da gordura voltada para cima. Por que? Para postergar as labaredas que se formarão quando virar a picanha e colocar a parte da gordura em contato com a grelha. A gordura cairá sobre a brasa e formará as chamas que tanto procuro evitar. Uma boa dica, que também aprendi vendo o Marcos Bassi, é guardar as cinzas do seu último churrasco e espalhar sobre as brasas antes de começar a grelhar a carne. Elas irão absorver parte da gordura, impedindo que caia diretamente nas brasas, gerando menos chamas.

A picanha perfeita (Foto: André Lima de Luca)

O tempo para selar a peça deve ser curto, perto de quatro minutos de cada lado. Retire a picanha da grelha e coloque sobre a tábua com a gordura virada para cima. Vai evitar que a peça fique se movendo, “dançando” na tábua, quando for fatiá-la. Espere ao menos 15 minutos e a fatie em tiras longas com dois dedos de espessura. Tempere com sal em escamas, ou o tipo que você preferir, e pimenta moída na hora. Procuro usar sempre que posso o sal em escamas, principalmente o Maldon. Por serem escamas finas, são rapidamente absorvidas pela carne, evitando qualquer perda de suco ou ressecamento prematuro.

Espere mais cinco minutos para o sal começar a ser absorvido e leve a carne à grelha, ainda posicionada a 15 centímetros da brasa. Grelhe por aproximadamente 4 minutos de cada lado e suba a grelha para 30 centímetros da brasa. Se não tiver essa opção, crie uma zona de calor indireto na lateral da sua churrasqueira, retirando a maioria das brasas que estão abaixo dessa parte da grelha. A temperatura nessa zona será parecida com a da grelha posicionada a 30/40 centímetros da brasa. Asse sem pressa, virando a carne uma vez até o ponto desejado. Tenho insistido há alguns anos no uso do termômetro de alimentos, pois acho a forma mais fácil de não se errar o ponto da carne. Se quiser ponto-mal, meu favorito, retire a carne da grelha quando atingir 53-54° C de temperatura central interna. Se preferir ao ponto, a retire entre 57-58°C. A temperatura interna da carne ainda subirá alguns graus durante o período de descanso antes de começar a perder temperatura, o que é chamado em inglês de carryover cooking. Deixe descansar por uns quatro ou cinco minutos antes de servi-la – é nesse período que os sucos da carne se redistribuem por dentro da peça e as fibras ficam mais relaxadas.

Fonte: http://gq.globo.com/Colunas/Andre-Lima-de-Luca/noticia/2017/10/tudo-o-que-voce-sempre-quis-saber-sobre-picanha-numero-um-nas-grelhas-brasileiras.html

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