Alta no preço do ouro impulsiona garimpo ilegal na Amazônia
Considerado o principal polo de negociação de ouro ilegal do país, o município de Itaituba (PA) viu sua arrecadação com a produção do metal disparar em 2020. Em sete meses, ela soma quase 50% a mais do que a receita de todo o ano de 2019.
Esse crescimento ocorre em um momento de alta nas cotações internacionais. Para as autoridades, a bonança na arrecadação é sinal de que a elevada demanda por ouro no mercado internacional vem impulsionando ainda mais o garimpo ilegal na região.
Para especialistas, o mercado aquecido pode ampliar as pressões pela formalização de atividades irregulares e pela aprovação do projeto de lei que permite a exploração mineral em terras indígenas, enviado pelo governo Bolsonaro ao Congresso em fevereiro.
Considerado porto seguro para investimentos em tempos de crise, o ouro vem tendo grande valorização desde 2019, movimento que se intensificou com a pandemia. Em agosto, pela primeira vez, a cotação superou os US$ 2.000 (cerca de R$ 10 mil).
Com a corrida global pelo minério, o Brasil já exportou nos primeiros sete meses do ano quase 55 toneladas, 5,8% a mais do que no mesmo período do ano anterior e 31% a mais do que em 2018.
Itaituba vê a sua produção crescer quando há queda nos novos pedidos de concessão para garimpo, o que leva a própria ANM (Agência Nacional de Mineração) a reconhecer que a alta nas receitas é fruto de atividade irregular.
“É o ilegal que cresce”, diz o di retor da agência Eduardo Leão.
Na opinião de especialistas, a facilidade com que o ouro irregular circula demonstra fragilidades tanto na legislação quanto na fiscalização para coibir fraudes com a certificação de origem do mineral que é inserido no sistema financeiro.
“[A regulação] é um emaranhado legislativo pouco organizado, que dá margem a interpretações para quem está operando”, diz o procurador Paulo de Tarso Moreira Oliveira, do Ministério Público Federal do Pará, que integrou em 2019 operação contra o comércio ilegal.
A investigação apurou a compra de quase 611 quilos de ouro de origem clandestina entre 2015 e 2018. O esquema consistia na aquisição do metal sem procedência legal para, depois, “esquentá-lo” com um certificado de lavra em áreas legalizadas.
A compra do ouro de garimpeiros é feita principalmente por empresas chamadas DTVMs (distribuidoras de títulos e valores mobiliários), atividade regulada pelo Banco Central, que são responsáveis por registrar o produto no sistema financeiro.
Embora a exploração seja também feita por grandes mineradoras internacionais, há DTVMs entre as principais pagadoras de Cfem, o royalty cobrado sobre a produção de minério, em um sinal de que movimentam grandes volumes.
O procurador Oliveira diz que o sistema de fiscalização precário, com certificados de origem ainda em papel, facilita as fraudes. A Procuradoria pede reforço na fiscalização e maior integração entre os diversos órgãos responsáveis, como a ANM, a Receita Federal e o Banco Central.
O diretor da ANM reconhece as críticas e diz que a falta da estrutura reflete o pouco tempo de existência da agência, criada em 2019, e que há dificuldades para fiscalizar atividade em áreas remotas, geralmente protegidas por seguranças armados.
Segundo ele, ANM, Receita e Polícia Federal estão trabalhando em uma força-tarefa para melhorar a fiscalização, com o uso de um sistema conjunto para rastrear o caminho do ouro da produção à exportação.
Especialistas, porém, temem que iniciativas de combate à atividade encontrem resistência no governo, que vem declarando apoio ao garimpo e já enviou ao Congresso projeto de lei para regulamentar a atividade em terras indígenas.
“Tem um jogo brutal na Amazônia, que mistura um pesado interesse empresarial”, diz o diretor-executivo do Instituto Escolhas, Sergio Leitão. Ele lembra que representantes do garimpo passaram a frequentar a Esplanada dos Ministérios após a posse de Jair Bolsonaro (sem partido).
“O garimpeiro vive disso, são seres humanos. Se você não regulamentar ou legalizar, eles vão continuar fazendo isso”, afirmou o presidente, em uma de suas declarações de apoio à atividade, em agosto de 2019.
O Ministério Público Federal, porém, rechaça a imagem pintada por Bolsonaro, alegando que hoje o garimpo é uma operação cara, feita com maquinário pesado, estrutura empresarial e apoio de aviões. O procurador Oliveira, aliás, prefere usar o termo “mineração ilegal”.
Ele diz que a falta de fiscalização permite que a atividade, mesmo legalizada, provoque danos ambientais, como o despejo de componentes químicos nos rios. Além disso, conflitos com etnias indígenas já geraram inúmeras denúncias de violência e ameaças.
Na semana passada, em manifesto assinado por sete associações, índios da etnia mundurucu denunciaram ameaças de morte por garimpeiros que atuam em seu território, em Jacareacanga (PA), apontada como uma das principais origens do ouro ilegal negociado em Itaituba.
O manifesto foi divulgado logo após visita do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao município, para acompanhar operação do Ibama contra o garimpo na região.
Em tempos de pandemia, há ainda a ameaça da Covid-19. Em liminar concedida à Apib (Associação dos Povos Indígenas do Brasil) em julho, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Eduardo Barroso afirmou que “a retirada de invasores das terras indígenas é imperativa e imprescindível”.
Representante das produtoras e fabricantes de ouro, a Anoro (Associação Nacional do Ouro) disse que não pode se responsabilizar pela origem do ouro comprado por suas associadas e que propôs às autoridades responsáveis a implantação de um sistema digital de rastreamento.
A entidade diz que “é simplista” a divisão do garimpo em legal ou ilegal e sugere a criação do status “irregular”, que indicaria a atividade existente antes das regras atuais, que “são oneradas por requerimentos de pesquisa que nunca foram analisados e impedem a regularização do garimpo”.