Facções criminosas já comandam um terço do Amazonas

 

Em toda a Amazônia Legal, 260 municípios têm a presença de alguma facção criminosa. Em 176 deles, há monopólio

03/01/2025 às 08:17.

Atualizado em 03/01/2025 às 11:45

 

Facções originadas no Sudeste do país se espalharam pela região amazônica e já comandam tráfico em ao menos 176 municípios. No Amazonas, são 21 (Foto: Daniel Brandão)

O crime organizado, que já domina parte da Amazônia com rotas internacionais de  tráfico, agora também avança para lucrar com crimes ambientais e exploração ilegal de recursos naturais da região. É o que aponta o novo estudo ‘Cartografias da Violência na Amazônia’, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). No Amazonas, um terço dos municípios já é dominado por facções criminosas. 

Como resultado deste cenário, em 2023 os estados da Amazônia Legal somaram taxas de violências 41,5% acima da média nacional, além de enfrentar recordes de queimadas e novos casos de conflitos de terra associados à exploração ilegal de terras. 

O levantamento também aponta que as facções criminosas estão presentes em ao menos 260 municípios amazônicos, dos quais 176 têm monopólio de uma facção e 84 com a presença de dois ou mais grupos em disputa. No caso daqueles monopolizados, 130 são dominados pelo Comando Vermelho (CV), 28 pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) e os demais por grupos menores.

 Cenário estadual

 No Amazonas, as facções criminosas dominam pelo menos 21 dos 62 municípios do estado. Outro fator representado em gráfico é que no estado há presença de dois ou mais grupos criminosos em algumas áreas. As principais do estado são o CV, Piratas do Solimões e PCC. 

O Amazonas apresentou redução de 8,2% na taxa de mortes violentas intencionais entre 2022 e 2023, chegando à taxa média de 35,6 por 100 mil em 2023. Apesar deste resultado positivo no último ano, a análise por município mostra que a violência se distribui de forma bastante heterogênea no território. Considerando a taxa média de 2021 a 2023, os índices variam de 0 mortes em cidades como Nhamundá e Santa Isabel do Rio, à taxa acima de 100 por 100 mil, como é o caso de Iranduba, considerado o mais violento do estado.

 Processo histórico

 A taxa de violência letal na Amazônia se manteve em patamares muito elevados: com taxa de 32,3 mortes a cada 100 mil habitantes. O advogado e associado sênior do FBSP, Eduardo Pazinato, relaciona o número ao fator histórico das disputas das organizações criminosas por território. 

“É um processo histórico que vem ganhando uma dimensão mais ampla na última década, mas que já é observado historicamente. Isso fez com que a taxa de homicídios, por exemplo, fosse bastante elevada na região, bem maior do que a média nacional. Mesmo com eventual redução no último ano, ela se mantém no patamar de taxa bastante acima da média nacional por conta dessa influência. É claro que há outros fatores regionais, estaduais, que também precisam ser verificados, como a interiorização da violência”, diz Pazinato. 

Além do aumento da violência, o advogado ressalta que ao longo dos anos houve uma clara diversificação das atividades dos grupos criminosos para se aproveitarem das várias atividades econômicas da região,  que passaram a ser exploradas como uma “alavancagem de novos negócios”.

“Toda a influência das facções criminosas, por exemplo, na exploração do ouro, na extração de madeira e de atividades que em tese são legais, são exploradas pelas facções criminosas. Isso não só fez com que as organizações se mantivessem na região, como ampliassem seus domínios e, por consequência, a violência criminal gerada”, destaca Pazinato. 

Para o pesquisador, esse crescimento também está relacionado aos locais de exploração dos mercados ilegais, que se encontram especificamente em cidades menores, onde há mais dificuldade de fiscalização e em áreas onde o poder público não chega.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) para falar dos números apresentados, mas até o final da matéria não obteve retorno.

 Geografia da Amazônia é fator relevante

 Professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e coordenador do projeto Governança Híbrida e Crime Organizado na Amazônia, Marcos Alan Ferreira explica que na Amazônia os fatores geográficos também apresentam contribuição para o agravo e manutenção do crime organizado. “Por isso acaba sendo tão importante a questão da cooperação internacional, que às vezes se fala muito pouco. Não se dá para combater esse fenômeno que avança, o crime organizado na Amazônia, se não avançarmos também as dimensões da cooperação internacional”, diz o professor. 

O pesquisador relembrou que na cúpula da Amazônia foram debatidos esses contextos da cooperação internacional com Colômbia e Peru, que devem envolver trocas de informações, inteligência e sistemas de informação de indivíduos ligados ao crime. Mas ressaltou que é preciso ir além de forças policiais para combater a presença do crime organizado.

“Para o combate correto, o Estado também tem que pensar que lidar com segurança pública não é só segurança, traz a questão econômica, traz a questão social, justamente nas comunidades mais vulneráveis em que o crime organizado avança, seja essas comunidades vulneráveis na área rural ou na área urbana”, destaca.

 Organizações ampliam atuação para crimes ambientais na região

 Entre os crimes que, segundo a pesquisa, apresentam sinais de participação significativa das organizações criminosas estão o mercado de mercúrio e de combustível, bem como a abertura de terras. Para solucionar isso, a pesquisa aponta que é necessário aperfeiçoar o Cadastro Ambiental Rural (CAR), qualificar a investigação criminal e os mecanismos de combate à lavagem de dinheiro como o fortalecimento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). 

Além disso, manter a articulação entre as instituições de segurança pública estaduais e federais (como as FICCO – Força Integrada de Combate ao Crime Organizado, lideradas pela Polícia Federal), órgãos de controle ambiental, e da Justiça (Ministério Público e Poder Judiciário).

Segundo Marcos Alan Ferreira, o principal fator para a expansão dessas organizações na região é de origem econômica. 

“Os principais indicativos sociais que fortalecem o crescimento dessas facções é a questão econômica. Pouco acesso a oportunidades por parte da população mais jovem, que acaba sendo a mais engajada no crime organizado, faz com que essas facções se fortaleçam. Acaba sendo um tema vasto, envolvendo o crime organizado e outras atividades ilegais”, explica Ferreira. 

O professor ressalta que, na Amazônia, pela rentabilidade na prática de crimes ambientais, as facções ‘migram’ suas práticas para outras atividades ilegais como forma de aumentar o seu poder e lucro. 

“Essa é uma característica peculiar da região. Nós, que pesquisamos o crime organizado, como eu e vários colegas envolvidos na cartografia da violência, chamamos esse fenômeno de ‘convergência criminal’. Trata-se de uma situação em que as organizações criminosas, já bem-sucedidas em atividades como o narcotráfico, aproveitam as oportunidades específicas de determinado local. No caso da Amazônia, destacam-se os crimes ambientais como um fator de grande relevância nesse contexto”, pontua.
Um exemplo da presença do narcotráfico em atividades ilegais associadas a ao meio ambiente é a pesca ilegal que acontece no Vale do Javari, região onde ocorreu o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, conta o professor da UFPB.

“Quando a gente vai mais para cima, Roraima, temos o Primeiro Comando da Capital envolvido na questão da mineração ilegal. Então, o crime organizado vê oportunidade de diversificar negócios e gerar renda, lavar dinheiro e vai utilizando dessas outras oportunidades, se aliando a operadores independentes desses mercados ilegais”, destaca o pesquisador.

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