Influenciadoras contam por que estão deixando as redes sociais e voltando para o trabalho CLT: ‘Tinha mês que não ganhava praticamente nada’

 

A paulista Gabriella Gimenes, 28 anos, passou quase um ano se dedicando integralmente à criação de conteúdo digital, mas decidiu retomar um emprego CLT, tornando a produção de conteúdo uma renda extra.

“Comecei a gravar conteúdo em 2023, enquanto ainda trabalhava em uma empresa de meios de pagamento, onde fiquei cinco anos. A ideia era testar se a produção de conteúdo poderia dar certo para mim, sem criar grandes expectativas financeiras”, relata ela, em entrevista a Marie Claire.

Seu conteúdo nas redes sociais é variado. Vai desde dicas de produção audiovisual, passa por informações de cuidados com pets e vai até experiências de sua rotina. Mesmo sem se prender a um nicho específico, conseguiu construir uma audiência consistente, com mais de 56 mil seguidores no TikTok.

Por lá, ela conta que o maior valor que recebeu da monetização da plataforma em um mês foi R$ 2,5 mil. Por outros conteúdos, chegou a ganhar somente R$ 30. “Era muito difícil não saber como o conteúdo iria performar. Tinha mês que não ganhava praticamente nada e mês que conseguia fechar R$ 5 mil com parcerias. A instabilidade financeira e a insegurança foram fatores decisivos para eu repensar minha carreira exclusivamente digital”, explica.

Além da questão financeira, Gabriella ressalta que sentia falta do convívio diário com colegas de trabalho e da rotina estruturada de um emprego CLT. Benefícios como férias remuneradas, 13º salário, seguro de vida e plano de saúde também influenciaram na decisão.

Tudo isso pesou para mim: estar perto dos 30, sem uma segurança concreta na vida, me fez decidir voltar ao mercado formal. Eu não estava procurando ativamente um emprego. Mantinha meu LinkedIn aberto para novas oportunidades, atualizava meu currículo e, quando via uma vaga interessante, me candidatava. Foi assim que surgiu uma oportunidade que deu certo”, conta a jovem, que continuou a trabalhar com criação de conteúdo, dessa vez para uma empresa.

Hoje, Gabriella concilia sua produção digital com o emprego formal. “Não vejo como um passo para trás, mas como um aprendizado. Tenho estabilidade financeira e, ao mesmo tempo, continuo produzindo conteúdo, o que me dá segurança e flexibilidade para o futuro”, afirma.

Jovem mantém criação de conteúdo em seus perfis como renda extra — Foto: Reprodução/ Instagram
Jovem mantém criação de conteúdo em seus perfis como renda extra — Foto: Reprodução/ Instagram

Brasil vê crescimento do número de influenciadores

Segundo a plataforma de análise de dados DataReortal, o Brasil é o segundo país do mundo em tempo diário gasto nas redes sociais, com Instagram, TikTok e YouTube dominando a atenção dos usuários. Isso se reflete no crescimento do número de influenciadores digitais: entre março de 2024 e março de 2025, saltou de 1,2 milhão para 2 milhões, de acordo com o levantamento da Influency.me divulgado no ano passado.

Apesar da visibilidade e do estilo de vida ostentado por alguns, a realidade financeira da maioria é bem diferente. A pesquisa Creators e Negócios, realizada pela Brunch em parceria com a Youpix, aponta que metade dos influenciadores recebe até R$ 5 mil por mês, apenas 6% ganham mais de R$ 20 mil e uma parcela mínima, 0,54%, supera R$ 100 mil.

‘Improvável que a sua vida esteja ganha’

A trajetória de Gabriella reflete uma tendência que vem crescendo entre influenciadores que buscam equilibrar liberdade digital e segurança financeira.

Outro exemplo é Maíra Post Müller, 31, engenheira química que resolveu se tornar influenciadora. Ela também passou pelo mesmo dilema: “Não decidi trabalhar com a internet por vontade própria. Estava desempregada, tive um burnout e pensei que poderia ser boa nisso, me distrair e quem sabe ganhar dinheiro. Mas não era meu objetivo principal”, explica.

Maíra, que atualmente é técnica de qualidade, lembra que viver de internet é “altamente incerto”. “A não ser que você seja a Virginia [Virginia Fonseca, uma das principais influenciadoras do Brasil] é muito improvável que a sua vida esteja ganha. Tinha meses que eu ganhava R$ 3 mil e meses que ganhava R$ 500. Dá para pagar contas assim? Não dá.”

Foi justamente esse cenário incerto que fez a jovem dar um passo rumo à segurança. “Quando houve a enchente no Rio Grande do Sul, minha namorada ficou desempregada e só eu estava trabalhando pela internet. Por isso resolvi voltar para o CLT. Ter uma renda certa todo mês dá muito mais segurança e paz no coração. O estresse existe, claro, mas é irracional querer viver só de internet. Não larguem tudo no primeiro dia que viralizou”, afirmou.

Maíra tem mais de 64 mil seguidores no TikTok — Foto: Reprodução/ Instagram
Maíra tem mais de 64 mil seguidores no TikTok — Foto: Reprodução/ Instagram

Movimento tem sido tendência

Para a sócia fundadora da MESSS Giulia Braide, que atua no mercado de marketing de influência há 11 anos, esse movimento das influenciadoras não é isolado. “É uma resposta do mercado e da própria geração que amadureceu dentro da creator economy [que monetiza conteúdos digitais por meio de nano e micro creators até grandes influenciadores].

“A liberdade de viver da própria imagem parece leve até que se entenda o peso emocional e psicológico de transformar a si mesma em negócio”, afirma Giulia. Ela ressalta que o modelo autônomo exige gestão, performance, estratégia, constância e resiliência financeira, responsabilidades que nem todos desejam sustentar de forma contínua.

Segundo a especialista, esse retorno ao mercado formal não revela um esgotamento do modelo de influência, mas um amadurecimento. “O mercado de influência deixou de ser um território de experimentação e passou a operar com as mesmas exigências de qualquer outro negócio. Criar conteúdo é importante, mas não suficiente”, diz.

As mudanças nas plataformas digitais, como a queda de alcance orgânico, monetização limitada e excesso de criadores, também têm impactado a sustentabilidade da carreira de influenciador, observa a publicitária.

“O esforço nem sempre se traduz em resultado. Isso gera frustração, insegurança e cansaço coletivo pela necessidade de performar o tempo todo. Em resposta, muitos criadores diversificam fontes de renda, oferecem serviços, desenvolvem produtos próprios ou ocupam cargos estratégicos em empresas”, aponta.

‘Há um cansaço real com o ritmo’

No relacionamento com as marcas que buscam publicidade, Giulia identifica uma lógica mais seletiva: “Não vejo concentração, vejo filtragem. As marcas estão mais conscientes sobre o que esperam do investimento em influenciadores. Ainda existe verba para grandes nomes, mas relevância é construída em comunidade, e os criadores de nicho têm demonstrado poder de conexão e credibilidade que muitas vezes supera os nomes maiores”. Ela destaca que o foco agora é em relações contínuas, consistência de imagem e resultados reais, e não apenas em números ou visibilidade imediata.

Segundo Giulia, o movimento de retorno ao CLT e a busca por segurança financeira indica uma nova percepção de sucesso no setor. “Após anos pautando sucesso em visibilidade e acúmulo, há um cansaço real com o ritmo e a volatilidade desse modelo. A estabilidade não é acomodação, e talvez o sucesso hoje esteja sendo medido mais por longevidade do que por exposição.”

Ela avalia esse retorno não como um retrocesso, mas um realinhamento de prioridades. “Estabilidade, rotina e senso de pertencimento voltam a ser valores desejáveis”, conclui.

https://revistamarieclaire.globo.com/

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