Conheça Laura Prado, a amazonense amiga de um boto-fêmea
A jovem de 18 anos vive na Reserva Sustentável Igapó-Açú, na BR-319. Conheça mais sobre essa amizade única!
Manaus – O boto-vermelho, também conhecido como cor-de-rosa, tem hábitos solitários na natureza. Os grupos, quando ocorrem, dificilmente ultrapassavam os quatro membros. Apesar disso, o EM TEMPO encontrou uma amizade única entre esse animal e uma jovem amazonense.
A estudante Laura Prado, de 18 anos, teve o primeiro contato com um boto-vermelho quando ainda era criança, por volta dos seis anos. Ela brincava com os primos no rio Igapó-Açú, localizado em uma reserva ambiental de mesmo nome, quando os animais apareceram.
“Estávamos brincando no rio eu e meus primos até que uma boto-fêmea apareceu. Então, os meninos começaram a me empurrar para cima dela e fiquei com muito medo no início. Mas, depois percebi que ela não reagiu de forma ruim, então fiz carinho na ponta do seu bico. Daquele momento até agora, só nos aproximamos”, conta a jovem.
Nos anos seguintes, Laura continuou a tomar banho no rio, com sua nova amiga Xuxa, nome dado à fêmea boto-vermelho. O carinho e o cuidando cresceram tanto que a estudante se viu até alimentando a amiga com alguns peixes.
“Já cheguei a pegar peixe que ia comer e dar para ela. Assim ela foi me reconhecendo sempre que eu aparecia na beira do rio. Hoje ela sabe quem eu sou”, comenta a jovem, com um sorriso no rosto.
O encontro da reportagem com a jovem foi por acaso. Estávamos na vila Igapó-Açú para cobrir a revitalização da BR-319, quando avistamos Laura a brincar com Xuxa na beira do rio. Ela primeiro chamou o boto apenas dando palmadas na água.
O barulho trouxe o animal para próximo da terra firme, onde ela se movimentou quase como se estivesse em uma apresentação de parques aquáticos. Contornou a si própria, suas nadadeiras bem abertas. Graciosa, Xuxa ainda nadou de costas e voltou para o meio do afluente, onde a água é mais agitada.
A reportagem registrou o momento. Veja:
Passado de maus-tratos
De acordo com Laura, o boto-fêmea tem cerca de 23 anos e mora há bastante tempo no rio Igapó-Açú. Apesar do sentimento de carinho que a jovem sente pela amiga, a estudante reconhece que Xuxa já sofreu maus-tratos no passado.
“Meu tio conta que a Xuxa só ficou mais mansa depois que ele prendeu os filhotes dela por alguns dias. Depois ele os devolveu e ela acabou ficando por aqui”, conta ela, sem nenhum orgulho da história.

Embora não saiba se o relato do tio é verdade, Laura reflete sobre o acontecimento e diz que a lição aprendida é a necessidade de proteger todos os animais.
“Hoje temos uma relação boa de carinho com ela e os outros botos. Todos nadam livres pelo rio e só aparecem de vez em quando, por vontade própria. Quando isso acontece, damos peixes e ficamos ‘de olho’ se estão bem. Procuramos proteger todos”, afirma a amazônida.
Interação é rara
Apesar da relação entre Laura e sua amiga parecer natural, a interação é rara. Quem explica é a bióloga Vera da Silva, coordenadora do Laboratório de Mamíferos Aquáticos (LMA) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
“As fêmeas normalmente não se aproximam de áreas de interação. Essa afirmação é resultado científico de uma análise genética dos botos que interagem nas proximidades de Manaus. Dos 75 animais que identificamos, todos eram machos”, afirma a pesquisadora.

Por causa desse estudo, a bióloga suspeita que Xuxa seja, na verdade, um macho, porém não é possível identificar o sexo do animal apenas por fotos e vídeos, a única maneira que a doutora viu a amiga de Laura.
“Embora essa interação seja rara, é totalmente possível. Inclusive os botos podem reconhecer a aparência e até a voz de um humano que já viram anteriormente. Esses animais são dóceis, curiosos e atraídos por áreas em que jogam comidas nos rios, por isso a chance de contato é maior”, explica a bióloga.
Sobre maus-tratos praticados contra botos ou outros animais marinhos, doutora Vera classifica como “absurdo”. A pesquisadora lembra que essas espécies são protegidas por lei, o que inclui a proibição de qualquer prática violenta contra o animal, inclusive prender filhotes.

“Às vezes a pessoa erra por ignorância, mas precisamos saber que a relação maior com esses animais precisa ser de proteção. O mais importante é cuidar dessas espécies da Amazônia, do nosso sistema aquático”, afirma a bióloga.
Reserva sustentável Igapó-Açú
Laura e a boto-fêmea vivem na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Igapó-Açu, que compreende uma área de 397.557,32 hectares de preservação ambiental. A região está localizada nos municípios de Beruri, Borba e Manicoré, todos do Amazonas.
A RDS Igapó-Açú é principalmente conhecida por ser o lar de várias espécies de quelônios. O local, inclusive, é ponto de referência para devolver esses animais à natureza, quando são resgatados de comércio ilegal. No entanto, a reserva é lar de outros animais, como jacarés, espécies variadas de peixes e os famosos botos-vermelhos.
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