Cupuaçu sem caroço: técnica possibilita fruto apenas com polpa
Polpa corresponde a até 70% do cupuaçu se cultivado com a técnica
O cupuaçu é uma fruta nativa da Amazônia cujo nome significa “fruto grande que parece com cacau”, em Tupi. No Brasil, o Pará é o estado com maior área cultivada, ocupando cerca de 14.000 hectares, segundo dados do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (Idam).
Tudo no cupuaçu pode ser utilizado, até os caroços, embora o grande destaque seja mesmo a polpa, com cheiro e sabor únicos. Privilegiando a principal parte do fruto, pesquisadores desenvolveram uma técnica para produção de cupuaçu sem caroço. Mas o que parece novidade não é tão novo assim.
O pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental Rafael Moyses Alves, que estuda o melhoramento genético de cupuaçuzeiro, conta que a técnica de produção do cupuaçu sem caroço começou a ser pesquisada ainda no século passado, em 1942, pela Embrapa: “Foi uma mutação que ocorreu numa planta lá em Cametá. O pessoal de lá informou aos pesquisadores que um lado da planta produzia fruto com caroço e, do outro lado, sem caroço. Pesquisadores entenderam que houve um desarranjo no genótipo no número dos cromossomos das células”.
Conforme foram sendo desenvolvidas as pesquisas, foi descoberto que era possível multiplicar as plantas que davam cupuaçu mesmo sem os caroços, que são as sementes do cupuaçuzeiro, por meio de uma técnica conhecida como enxertia. “consiste em pegar um pedaço da planta, uma ponta de galho, e enxertar numa muda e multiplica várias mudas com mesma característica da planta-mãe. Aí eles tiveram muitas mudas de cupuaçu sem caroço”, explica Rafael.
A partir de então, foi possível cultivar cupuaçuzeiros que davam frutos sem sementes, o que pareceu, em primeiro momento, muito interessante devido à quantidade de polpa obtida com o fruto: “um cupuaçu sem caroço apresenta de 60% a 70% de polpa, enquanto o cupuaçu tradicional produz, normalmente, 37%”, informa o pesquisador.
No entanto, a empolgação com a novidade não durou muito. Rafael conta que logo foi observado que os cupuaçuzeiros enxertados eram mais vulneráveis à principal doença que afeta esse tipo de planta: “Por isso a pesquisa parou na década de 80, pois se verificou que essa planta padecia muito com a ‘vassoura de bruxa’, além de ter que plantar outra coisa para a planta poder cruzar”, diz o pesquisador.
Rafael explica que, como as plantas enxertadas produziam o mesmo genótipo, ela não conseguia se reproduzir sozinha. Então, em uma plantação de cupuaçu sem caroço era necessário também cultivar outras plantas. “Por essas razões, a pesquisa não teve continuidade. Hoje em dia ela é mais uma curiosidade das pessoas”.
Entretanto, o diretor técnico do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), Paulo Lobato, apresenta outro motivo que também teria desencorajado as pesquisas em torno do cupuaçuzeiro que não produz caroços: “A Emater, em parceria com a Embrapa, teve o papel de levar essa tecnologia para os agricultores familiares. Mas toda a tecnologia que não tiver aplicabilidade e não trouxer retorno financeiro, eles vão abandonar com tempo e foi mais ou menos assim nesse caso”.
Pela perspectiva de Paulo Lobato, o cupuaçu não é uma fruta competitiva para o mercado, principalmente se comparado ao cacau, de interesse internacional. “É preciso ter um mercado assegurado. Cupuaçu é uma polpa que não tem tanta saída, porque o preço é alto. O plantio do cupuaçu sem caroço demanda o preparo da área, produção das mudas, driblar a incompatibilidade dos enxertos. Olhando o cupuaçu sem polpa parece legal, mas diversas situações acabaram com a ideia”, ele diz.
Engenheiro da Emater aprendeu a enxertar o cupuaçuzeiro em 1986
O engenheiro agrônomo Flávio Ikeda, da Emater de Abaetetuba, diz que aprendeu a enxertar o cupuaçuzeiro em 1986 com Flávio Viana, à época coordenador regional da Secretaria de Estado de Agricultura (Sagri). E o Flávio, por sua vez, conseguiu material do cupuaçu sem caroço com o finado senhor Antonio Paes. E, até hoje, cultiva cupuaçu sem caroço: “Três mudas que eu enxertei pegaram. Depois, há uns 10 anos, fui a Tomé-Açu comprar umas mudas e a minha produção aumentou para uns 5 pés”.
Apesar de a plantação ter vingado, Flávio diz que não cultiva com interesses comerciais, mas mesmo assim há quem compre: “Pela curiosidade as pessoas acabam querendo comprar. Este ano eu vendi tudo que eu produzi, não foram tantos porque são só 5 pés, né? Mas é uma coisa interessante, porque eu cobro caro e o pessoal paga. Eu vendo R$10 o quilo. Já pensou R$ 40 um cupuaçu? Eu peço e eles pagam. Por quê? Por causa da raridade. Ninguém tem para vender”.
Segundo Flávio, o cupuaçu sem caroço é menos ácido e também tem um sabor mais suave que o fruto tradicional, mas ainda assim bom. “O único problema mesmo é que ele é muito fraco para a principal doença do cupuaçu que é a ‘vassoura de bruxa’. Mas existe uma esperança!”. O extensionista rural conta que, mesmo sem querer, uma cooperativa de agricultores pode ter encontrado a solução para o problema do cupuaçuzeiro enxertado:
“Uma cooperativa de agricultores familiares de Abaetetuba beneficia o óleo de andiroba e eles estavam com o parque fabril cheio de resíduo de andiroba, por isso, passaram a distribuir esse resíduo para os sócios usarem como adubo. Quem adubou os cupuaçuzeiros que estavam com a doença, a doença simplesmente desapareceu e, além disso, as plantas produziram muitos frutos. Ainda não existe uma pesquisa para avaliar esse caso, mas pode vir a ter”, conta Flávio, esperançoso.
Essa cooperativa se chama Cooperativa de Fruticultores de Abaetetuba (Cofruta). Ele também citou que apenas a presença de andirobeiras têm, em algumas propriedades, controlado a ‘vassoura-de-bruxa’ em cupuaçuzeiros. “Uma dessas propriedades, inclusive, eu visitei”, afirmou. Trata-se, portanto, do possível benefício da andirobeira na saúde das plantas.
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