Governo e políticos tentam implantar na marra obra na terra de índios massacrados pela ditadura quarta-feira, 23 de Maio de 2018

 
 
Linha de energia prevista em Terra Indígena Waimiri-Atroari é bandeira eleitoral de parlamentares de Roraima. Mais de 2,6 mil índios morreram por causa da construção de rodovia e ação das Forças Armadas


Índios Waimiri em 1970

Um ofensiva em várias frentes está tentando viabilizar uma linha de transmissão de energia através das terras dos índios Waimiri-Atroari (RR/AM), atropelando o direito à consulta “livre, prévia e informada” de populações indígenas e tradicionais sobre qualquer medida administrativa ou legislativa que as afete, como previsto na Constituição e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Os Waimiri-Atroari sofreram um massacre durante a ditadura militar (1964-1985). Segundo relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), entre os anos 1960 e 1980 pelo menos 90% da população indígena de cerca de três mil pessoas morreu em consequência da ação direta das Forças Armadas, da construção da BR-174 (Manaus-Boa Vista) e da hidrelétrica de Balbina e da política do governo da época de abrir a área a mineradoras e produtores rurais (saiba mais no box final da reportagem).

A construção do linhão é uma bandeira eleitoral dos políticos de Roraima, inclusive do lider do governo no Senado, Romero Jucá (MDB). Eles argumentam que o Estado depende de usinas térmicas caras e da importação de eletricidade da Venezuela, sofre com os apagões e correria o risco de um colapso do fornecimento de energia por causa da crise no país vizinho. Faltando poucos meses para as eleições, cresce a pressão pela implantação da obra.

O Ministério de Minas e Energia (MME) está tentando fazer valer uma interpretação jurídica que permita driblar às oitivas aos índios com base na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Terra Indígena (TI) Raposa-Serra do Sol (RR), de 2009. A ideia é enquadrar o linhão na categoria de obra de “interesse da Política de Defesa Nacional” e, assim, dispensar a consulta às comunidades. O jornal Folha de S.Paulo confirmou que o MME pediu ao Ministério da Defesa um parecer que corrobore a tese. O objetivo é subsidiar um decreto presidencial sobre o assunto.

A 5ª condicionante da decisão do STF afirma: “o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai [Fundação Nacional do Índio]”.

Aldeia abandonada pelos Waimiri-Atroari durante ação do governo na região

Conforme outras decisões do próprio STF, no entanto, as medidas previstas no caso Raposa-Serra do Sol referem-se a uma situação concreta específica e, portanto, não tem “efeito vinculante”, ou seja, não podem ser aplicadas automaticamente a outras TIs.

 

Regulamentação de consulta

Com o objetivo de viabilizar o linhão entre Amazonas e Roraima e outros empreendimentos, paralelamente a Casa Civil pretende retomar a discussão sobre a regulamentação do consentimento prévio. O temor de organizações indígenas é que a iniciativa restrinja esse direito. Com o pior desempenho nas demarcações desde a Redemocratização e sustentado pela bancada ruralista, o governo Temer é considerado anti-indígena. Questionada, a assessoria da Casa Civil respondeu apenas que “não há proposta fechada para regulamentação ainda” e que o tema está “em análise e discussão no governo”.

Em 2013, representantes das comunidades indígenas recusaram-se a negociar a regulamentação proposta pelo governo Dilma Rousseff enquanto não fosse revogada a Portaria 303/2013 da Advocacia-Geral da União (AGU). A norma previa a aplicação da decisão sobre a Raposa-Serra do Sol a todas as TIs, já demarcadas e em demarcação. Pouco depois, a portaria foi suspensa. Em 2017, o governo Temer retomou a iniciativa, desta vez na forma de um parecer da AGU, que está em vigência. Na prática, ele inviabiliza os procedimentos demarcatórios.

“A consulta é um direito fundamental de aplicação imediata. A regulamentação pode ser feita, mas não é indispensável”, pontua a advogada do ISA Biviany Rojas. “Não há condições políticas para retomar o debate da regulamentação enquanto o Parecer 001/2017 da AGU estiver vigente”, defende. Ela informa que a proposta sobre o assunto em discussão no governo tem várias inconstitucionalidades, entre elas excluir comunidades tradicionais como ribeirinhos e extrativistas, cujo direito às oitivas já foi reconhecido pelo STF em decisão recente”, comenta.

Fonte: https://isa.to/2GJzrZm

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