Formanda é aplaudida ao usar beca branca durante formatura

 

No início deste fim de semana, uma formanda de Serviço Social entrou para a história da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ao ser a primeira pessoa a colar grau na instituição utilizando uma beca branca. A peça utilizada por Cynthia Luiza Ribeiro do Amaral, foi desenvolvida para ela em respeito à diversidade religiosa e ao seu processo de formação espiritual no candomblé. O caso aconteceu em Florianópolis.

Ao chamarem seu nome, Cynthia subiu ao palco aplaudida por seus familiares e amigos, que também utilizavam vestimentas brancas. Ela abraçou seus professores e dançou erguendo seu diploma no Auditório Garapuvu, no Centro de Cultura e Eventos Reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, no Campus de Florianópolis.

 

O processo de formação espiritual de Cynthia no candomblé começou no mesmo dia em que defendeu seu trabalho final da faculdade. Neste período, ela “entrou em preceito”, termo utilizado para definir uma fase no desenvolvimento espiritual dos candomblecistas que se preparam para receber o seu orixá. Durante este momento, ela precisa passar por uma série de ritos, como o hábito diário das vestes brancas e a cobertura dos cabelos durante um ano.

Cynthia foi uma das escolhidas para proferir o discurso da turma durante a formatura. Com potência nas palavras, sintetizou que os últimos anos na Graduação foram marcados por muita resistência. “Só a luta muda a vida” foram as últimas palavras do discurso.

Cynthia tem como seu orixá Oxumarê, cuja história é associada ao movimento e à transformação. Logo que percebeu que a formatura seria celebrada durante o seu período de preparação, começou a pensar no que poderia ser feito, já que a celebração tradicional dos formandos, além de ser um direito, também era um desejo seu e dos seus familiares. “Eu me questionava sobre como iria me formar de roupa preta e como eu faria com o aparamento na cabeça”, conta.

O que para muitos pode ser uma preocupação trivial, já que o traje composto de beca (roupa) e capelo (chapéu) fazem parte dos protocolos, para ela se transformou em uma questão a ser resolvida. “Eu não gostaria que num momento tão especial desses eu tivesse que abrir mão de alguma coisa que também é tão especial para mim”, sintetiza.

Cynthia levou a questão inédita à universidade, que, foi debatida e organizada por um grupo interno. O direito à diversidade religiosa é previsto na Constituição Federal, que inclui o direito aos cidadãos de expressarem e praticarem sua religião. No caso das instituições de ensino, a Lei de Diretrizes e Bases indica a autonomia para a regulação desse tipo de norma, desde que dentro dos limites constitucionais. Quando buscou a Universidade para tratar do assunto, Cynthia pensou também em outras religiões que possam ter crenças que esbarrem com os ritos da formatura. “Temos muitas religiões com dogmas bem estabelecidos, então eu pensei: qual a chance de você falar sobre isso em um grande grupo e não sofrer intolerância?”, questiona.

Mais tolerância e respeito
Cynthia foi a única formanda trajando branco em meio aos colegas e trata isso como uma conquista por mais tolerância e respeito, de alguma forma valores que comungam com as características que uma assistente social deve ter. Por isso, ela também celebra outras conquistas da turma de formandas, que conta com pessoas trans e com deficiência entre o grupo de estudantes que colaram grau na cerimônia.

“Considero esse um direito de extrema importância. Nós temos muitos outros colegas em outros cursos e grupos que têm movimentação do povo de terreiro. Todos nós temos essa questão do fazer santo, da ritualística. Quantas pessoas deixariam de viver um momento especial como uma formatura por causa disso?”, questiona.

As vestes e indumentárias brancas, usadas por Cynthia em seu cotidiano, costumam provocar olhares e também ser motivo de preconceito. Recentemente, ela foi vítima de intolerância de forma pública, quando circulava no centro da cidade e foi agredida verbalmente e ameaçada, precisando inclusive recorrer à Polícia Militar.

“Nesse momento que a gente vive, de tanta guerras em termos de ideologia, é um momento que a gente tem para a universidade pública se posicionar enquanto uma produtora de saber, como formadora de opiniões. Por isso é tão importante que a UFSC possa trazer para a comunidade e para a sociedade civil essa perspectiva de respeito e de união em prol de todas as religiões”, finaliza.

Com informações da UFSC

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